A ANARQUIA SE ORGANIZA

A primeira vez da Legião Urbana

Patos de Minas abrigou, há 24 anos, o 1º show da Legião Urbana.

LUCIANA TIBÚRCIO – Repórter

Há tempos o instante está ausente e há ferrugem no sorriso." Mais precisamente fará 10 anos em 11 de outubro. Foi quando um dos poetas mais reverenciados do rock nacional sucumbiu à doença. Foi quando não mais foram escritos versos inéditos por Renato Manfredini Júnior. Assim como deixou fãs de todas as idades em toda parte do País, também na região há milhares de jovens/adultos/crianças que se deixaram contagiar pelos versos das letras escritas por Renato Russo. Mas a ligação da Legião Urbana com a região vai além de grupos de fãs. "Não consigo imaginar nada tão mágico depois de Patos de Minas! E olha que muita coisa rolou depois disso nas nossas vidas", declarou o baterista Marcelo Bonfá.

Mas como uma cidade no interior de Minas poderia ficar marcada na memória de um dos membros da Legião? Aqueles fãs fervorosos já sabem, mas para os que começaram agora a se encantar pelo rock da banda aí vai a resposta: foi em Patos de Minas, cidade localizada a 230 quilômetros de Uberlândia, que a Legião Urbana fez o primeiro show da carreira. Isto há exatamente 24 anos, a serem completados na próxima terça-feira. Foi em 5 de setembro de 1982 que a banda subiu num palco pela primeira vez. "A Legião tinha outra formação, com o Paraná na guitarra e o Paulista nos teclados e o som era alguma coisa meio rock progressivo. As músicas tinham uns nomes esquisitos tipo? O cachorro? e? Grande inverno na Rússia?", lembrou Bonfá.

Tudo começou numa estrutura totalmente improvisada na arena do parque de exposições. Como o palco de shows era muito alto e a arena enorme para um festival de bandas iniciantes, foi construído outro de um metro bem na poeira do chão de terra, sem cobertura nem nada. O som é uma história à parte: foi preciso reunir quase todos os equipamentos que existiam na cidade para realizar o evento. "Me lembro bem da forma como captávamos o som do violão. Era preciso soltar todas as cordas, colocar um microfone dentro do violão, afinar tudo de novo para depois começar a tocar", lembrou o técnico de som Marcos Amorim, hoje responsável pela sonorização de César Menotti e Fabiano.

A falta de estrutura fez entrar em cena um despojado poeta. Marcos Amorim precisava de um voluntário para ajudar a passar o som do violão e Renato, solícito, foi logo subindo ao palco. Afinal, desde que chegara à cidade pela manhã nada havia para fazer e o grupo estava "passando o tempo" pelo parque. Foi assim, no improviso, que a Legião Urbana abriu o "Festival Rock no Parque". "Nunca tinha visto uma coisa destas antes, começar o show durante a passagem de som. Mas Renato subiu ao palco e não parou mais de tocar. Nestes anos nem sabia quem ele era, pensava apenas que era um louco", apontou.

Renato Russo só desceu para, acreditem, ser preso. Se lembrem da época: 1982. O Brasil se preparava para as primeiras eleições diretas após anos de ditadura militar. A repressão era mais leve, mas não significa que não existia. Principalmente numa pequena cidade do interior de Minas Gerais. Que ousadia falar que "os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana", como dizia "Música Urbana" do Legião. Ou mesmo declamar os versos de "Que País é esse?", assustadoramente atuais. Ou fazer apologia ao voto em branco como forma de protesto como bradava "Vote em branco" da Plebe Rude, principal atração do dia. Pior ainda: o discurso inflamado de Renato Russo defendendo a liberdade de expressão.

Resultado: cadeia. Desceram todos, Plebe Rude e Renato Russo direto para a delegacia de polícia do próprio parque de exposições. "Tive sorte, pois no momento em que a Plebe estava indo em cana eu tinha saído para dar umas voltinhas e quando voltei eles já estavam cercados pela polícia", contou Marcelo Bonfá. Não foi brincadeira para Renato Russo. Mesmo algemado fazia questão de argumentar, dizer da liberdade artística e dos direitos à cidadania. "Entrei em pânico, porque saí correndo para a delegacia e o Renato lá, só contribuindo para aumentar a temperatura e o nervosismo das discussões. Nada que eu falava adiantava. Mas Renato era tão convicto do que defendia que conseguiu convencer o chefe de polícia a liberá-los sob uma condição: de sair da cidade imediatamente. Mas como, se o ônibus só saía de madrugada? Aí foi outra discussão. Assim foram os últimos momentos de um primeiro de milhares de shows do Legião", relembrou Carlos Alberto Xaulim, produtor cultural responsável por fazer de Patos de Minas uma cidade inesquecível àquela que ainda é uma das principais bandas de rock do Brasil.

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